Jovem estudante nasceu com deficiência física, não consegue usar os pequenos braços e desenvolveu outras habilidades impressionantes, como tocar instrumentos musicais e pintar quadros com a boca
O ano era 2001 e a cidade era Lago da Pedra, no interior do Maranhão, a cerca de 300 quilômetros da capital, São Luís. Lucas Luciano Silva chegava ao mundo, no leito de um hospital público e, tão logo nasceu, causou surpresa e espanto ali mesmo na sala de parto. “O médico que fez o parto pegou Lucas no colo e disse que ele parecia ‘metade-gente-metade-gato’. Logo a conversa passou dos funcionários do hospital para a vizinhança e, rapidamente, criou-se o alvoroço sobre o nascimento de um ‘menino-gato’ em Lago da Pedra. Eu só pedia a Deus que meu filho tivesse as partes vitais, os órgãos para comer, para respirar”, lembra Messias Silva, pai de Lucas.
A tensão não demorou a dar lugar ao alívio, quando o pai pegou o filho nos braços e viu, sem preconceitos, com o peito carregado de amor e senso de proteção, que Lucas Luciano tinha nascido com uma deficiência física e, que por isso, não tinha desenvolvido os bracinhos. “Lembro que, quando chegamos em casa, recebemos muitas visitas, de muita gente curiosa com a história do ‘menino-gato’”, conta Messias. O diagnóstico da deficiência veio pouco tempo depois: ele havia nascido com Artrogripose Múltipla Congênita. “Nossa família não teve nenhum sentimento ruim, pelo contrário, a gente se fortaleceu e buscou orientação profissional especializada. Conseguimos consulta na rede Sarah, em São Luís, e ele começou a ser acompanhado pelos especialistas. Eu só queria que meu filho pudesse viver, com qualidade, e sabia que essa seria a minha grande missão”, revela Messias, emocionado.
Foi graças ao esforço, em especial, do pai que Lucas Luciano começou a desenvolver algumas habilidades incríveis. Aos três anos de idade, ele foi matriculado em uma escolinha, no bairro onde moravam, na capital. “Acredito que tivemos sorte também, porque em um mundo onde falta compaixão e empatia, meu filho só encontrou, até aqui gente disposta a ajuda-lo. Nessa escolinha, nós conversamos com o professor e com a esposa dele para ver como a gente ía fazer com o Lucas, para ele aprender a escrever, já que não podia usar as mãos. Foi aí que eu tive a ideia de colocar um lápis nos dedinhos do pé dele, e assim ele foi se desenvolvendo. Comprávamos tinta guache e colocávamos papel perto dos pés dele. E nessa idade ele mostrou que tinha mesmo talento para a arte”, relembra Messias.
O pai de Lucas também estimulava bastante a prática esportiva e lhe dava bolas para brincar na infância. “Eram bolas de pano, coloridas. Eu também dava tampinhas de garrafas pet para ele criar castelos. Eu me jogava no chão para estimular ele a fazer tudo. Logo, ele começou a fazer embaixadinhas com os joelhos, sentado mesmo, com a cabeça”, conta. Ao conhecer alguns instrumentos musicais, como o teclado, Lucas também demonstrou interesse e aprendeu a tocar. E, mais uma vez, todos ao redor do Lucas o incentivavam; e a gente o matriculou em uma escolinha particular de música.
Separação
Em 2012, os pais de Lucas se separaram, e a responsabilidade dos filhos ficou com o corajoso pai, que passou a cuidar sozinho dos três filhos: Lucas, que na época tinha 11 anos; Thaís, que tinha 7; e Luan, que só tinha 3. “Foi difícil, e ainda é, mas a gente consegue por causa da nossa união”, revela Messias. Lucas e os irmãos cresceram estudando em escola pública. Em 2018, o jovem e talentoso Lucas se formou no ensino médio, no CINTRA – Centro Integrado Rio Anil, em São Luís, onde o pai trabalha como zelador, no setor de serviços gerais.
A família mora no bairro Barreto, em uma casa própria, simples, comprada com o resultado do suor do Messias, que está ansioso para terminar de pagar a moradia. “Só faltam 7 meses, aí as coisas vão aliviar”, anuncia. Para o sustento mensal, Messias conta com um benefício que Lucas recebe, no valor de um salário mínimo. “É esse dinheiro que paga a nossa comida, porque o meu salário vai todinho pra prestação da casa”, explica Messias, que há uns anos conseguiu dinheiro e comprar um carro para facilitar a locomoção do Lucas. “É um carrinho antigo, simples, custou R$4 mil, mas nos ajuda muito”, destaca o pai.
O sonho da faculdade
Depois de tantas superações ao longo da vida, assim que terminou o ensino médio, Lucas se viu em mais um desafio: a escolha pela profissão a seguir. Nesse momento, foram muitas dúvidas: a graduação, a instituição de ensino, o horário das aulas, entre outros pontos determinantes. “Lucas não fez o Enem porque eu me confundi na hora de fazer a inscrição dele, achei que só solicitando a isenção do pagamento ele já estaria inscrito na seleção, então ele perdeu este ano. Mas ele queria logo começar a estudar, fazer faculdade, foi quando vimos que ele poderia agendar o vestibular na Estácio São Luís e que lá tinha o curso que ele queria fazer, de Design”, ressalta Messias.
Devidamente inscrito na prova, chegou o grande dia. Sábado, 16 de março, às 14h, lá estava Lucas, sentado na cadeira adaptada às necessidades, com duas bases, uma em cima e outra na parte de baixo, para o apoio do papel que seria preenchido com os pés. Lucas fez a prova objetiva e, depois, para o encantamento de todos ali presente, também escreveu a redação, cujo tema foi “Responsabilidade Ambiental”. Com uma caligrafia e uma ortografia impecáveis, Lucas dissertou em cinco parágrafos e defendeu o ponto de vista com clareza, o que lhe rendeu a aprovação no seletivo.
A participação do Lucas no vestibular foi publicada nas redes sociais e repercutiu em todo o país. Pessoas de várias partes do Brasil se interessaram pela história do jovem e o encararam como um grande incentivador da realização de sonhos. “Qual é mesmo a sua desculpa?”, “Ele tem a letra melhor que a minha”, “Ao olhar o seu exemplo, sinto vergonha de mim, Lucas!” foram apenas algumas das milhares de mensagens deixadas nas postagens, que foram republicadas inúmeras vezes.
Logo, a ABD – Associação Brasileira de Design – tomou conhecimento e também deixou uma mensagem ao Lucas: “Sensacional e feliz por ter escolhido a nossa profissão. Com certeza Lucas já é sucesso garantido. Desenvolveu habilidades para superar as suas dificuldades, e no âmbito do Design, ele já reúne todos os pré-requisitos para oferecer à sociedade soluções inéditas, com base na sua experiência e ótica do mundo!”, diz o trecho da mensagem deixada pela direção da entidade.
Na segunda-feira seguinte, Messias já estava na sala de matrícula com todos os documentos necessários para garantir a vaga de Lucas na faculdade. “Estamos muito felizes e agradecidos, pois a Estácio deu a ele a bolsa de estudos parcial pro curso inteiro, e a coordenação já nos apresentou algumas ideias do que poderá fazer pelo Lucas enquanto ele estiver aqui, então, é muito amor pelo meu filho”, enfatiza Messias.
Diretores, gestores, coordenadores, professores e alunos da instituição de ensino superior se envolveram e se emocionaram com a história do Lucas. “Nós todos temos muito a aprender com o Lucas. Ele é tão diferenciado, tão iluminado, que será uma honra conviver com ele todos os dias e ajudá-lo no que for preciso para que ele chegue o mais longe que quiser e puder”, garante Aline Mendes, coordenadora do curso de Design da Estácio São Luís, que já está em plena preparação de uma exposição das obras produzidas pelo Lucas. “A nossa intenção é expor os trabalhos dele, para que ele consiga vendê-los e, assim, melhore um pouco a renda da família”, anuncia Aline Mendes.
Arte
Lucas mantém em casa um acervo de todas as obras que produz. São telas feitas com amor, que retratam paisagens da cidade, da natureza, além de algumas produções mais abstratas, carregadas de sentimento. “Eu amo expressar o que sinto e faço isso sem dificuldade”, certifica Lucas, que, além dos pés, também usa a boca para dar as pinceladas nas telas.
Como forma de melhorar a renda da família, Lucas mantém ativas contas em algumas das principais redes sociais, na internet, onde publica fotos do trabalho que executa nas artes plásticas e vídeos dos momentos em que produz as obras. Todas estão à venda e é o próprio Lucas quem negocia os preços. “Eu sou uma pessoa feliz porque tenho a capacidade de melhorar, dia após dia, e usar meus dons. Tenho uma família amorosa, um pai dedicado que não mede esforços para me ver feliz e amigos que me ajudaram ao longo dessa caminhada”, conta Lucas, que só tem um limite para continuar a crescer: o céu.
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